Cap02: 17 horas
Viajar durante 17 horas
dentro de um ônibus, no começo pareceu-me ser bem angustiante. Não sei se pelas
experiências antigas de viajar em ônibus desconfortáveis ou pelo medo que tenho
de viagens. Foram 17 horas, apesar de estar sentado, muito bem aproveitadas.
Pensar, dialogar, observar, ler, analisar, relembrar angustias e sintetizar
tudo isso fossem mudar uma decisão já tomada. A viagem em si demorou bastante.
Primeiro o embarque atrasou em 1 hora, pois o ônibus havia atrasado. Segundo no
decorrer no percurso engarrafamento na cidade de Timon e longas paradas em
outras cidades.
Eu e meus companheiros de
viagem entramos no “expresso para Belém” e nos acomodamos. O ônibus era confortável.
Carol foi ao meu lado, Marcelo ao lado de Brayan e Luana foi sozinha em um
banco diagonal ao dos meninos. Conversei bastante com Carol e tirei muitas
brincadeiras com os demais companheiros de empreitada. Percebi que aos poucos
os outros integrantes de tal aventura buscavam um belo sono como refugio. Logo
minha acompanhante de banco cochilou e dividi meu lençol com ela. Em pouco
tempo comecei a observar a vegetação do Estado do Maranhão. Percebi poucas
mudanças, mas percebi que o cerrado aos poucos começava a ficar mais denso e as
matas de Cocais ficavam cada vez mais abundantes. É uma vegetação muito
parecida com localizada aos redores da minha amada cidade natal. Estas
observações lembraram-me bastante minhas aulas de geografia. Lembraram cada
palavra sobre as florestas de transição. Florestas com arvores tortas, mas que
já começavam a serem mais altas e próximas umas das outras. Sem falar na imensa
quantidade de carnaúbas. Pura transição de clima transparecendo na vegetação.
Quando passamos pela
cidade de Caxias tirei o livro “O Estado do Futuro” dentro da mochila e comecei
a devorá-lo. Admirei bastante cada linha deste livro. Posso dizer que me tornei
mais idealizador de um mundo libertário, mais ainda do que eu já era antes de
ter a honra de lê-lo. Mundo livre de opressões. Mundo de pessoas livres e
detentoras de si próprias, liberdade... Este livro traz bastantes tópicos sobre
liberalismo, socialismo e capitalismo de estado e socialismo libertário. Noan
Chomsky diz claramente ser socialista libertário e explica o que é cada um dos
tópicos, interpreta escritos de grandes pensadores como Humbolt, Marx, Rosa de
Luxemburgo, Bakunin entre outros tantos. Apesar de ser tão pequeno, este livro
marcou profundamente minha mente. Refleti-o durante boa parte da viagem.
Muitas outras reflexões surgiam
na minha mente. Pensei bastante sobre uma das minhas últimas palavras compartilhadas
com uma certa pessoa, o ENEF será minha despedida do M.E. Eu já estava saindo
de uma crise ideológica, emocional, familiar, política, de saúde e ainda estava
muito confuso. Ou melhor, ainda estou. Eu já vinha me afastando do Movimento
Estudantil, reuniões estavam sendo cansativas e minhas palavras cada vez mais
niilistas. E este ENEF estava na minha cabeça como uma adeus, não é a toa que
eu queria curtir e não representar mais nada. Aos que se lembram, eu até redigi
minha carta de renuncia do meu amado CAFAR (faltou apenas entregar para anexar
em ata) e também já queria me afastar da disputa contra os pelegos da UJS.
A saída do M.E ecoava por
minhas vísceras e turbinava meus neurônios de sinapses. Eu olhava pra janela do
ônibus e mistura dores passadas. Mario Quintana estava certo quando disse que
viajar era a troca de roupas da alma. Realmente, a ida pro ENEF fiz um banho de
loja. Chomsky foi o meu conselheiro de viagem. Vi suas reflexões em um bando de
gado solto em meio a um pasto interminável. Não é apenas mais uma metáforas
amigos estou falando de latifúndios mesmo. Latifúndios que dominam praticamente
toda a extensão da BR que foi de Teresina a Belém. E a questão agrária? Bem, eu
nunca tinha meditado sobre a questão da reforma agrária e acho que lendo a
autonomia dos trabalhadores de Chomsky juntamente com minha crise ideológica fez
com que eu percebesse assuntos que me fugiam da realidade, como reforma agrária,
MST, exportações e importações. Pra que tanta terra para quase nada? Tanta
terra para poucos, por quê?
Em meio a tantas
interrogações e coração apertado de reflexões chegou a hora do almoço. O ônibus
parou em uma cidade chamada Santa Inês, terra natal de meu brother Brayan, e
deliciamos uma comida muito boa que condizia ao seu absurdo valor. Demorou
bastante e a fluidez da amizade em relação aos meus companheiros aumentava e os
laços se fortaleciam rapidamente. Ao termino de quase uma hora de almoço a
viagem já estava bem atrasada e cada brincadeira já entre nós, distintos
viajantes, já era mais do que pura intimidade, amigos de velhos tempos. Se eu fosse
sociólogo com certeza faria uma pesquisa sobre as viagens como modo de
interação entre pessoas. Pessoas estas que tinham até de certa forma pouco
contato pessoal. Posso citar Carolzinha que nos tornamos grandes amigos em
pouquíssimo tempo.
17 horas compactuando e
compartilhando brincadeiras diversas, coisas impagáveis. Coisas que o
capitalismo ferrenho nunca irá comprar. Com cair da noite resolvemos nos juntar
todos e trouxemos Luana que estava isolada para nossos bancos. Acabamos
cochilando depois de um bom tempo de brincadeiras. Quando os ponteiros davam 22
horas e alguns minutos percebemos que estávamos próximos a capital paraense
devido a urbanização constante (muitos prédios, casas e etc). Alguns minutos
depois desembarcamos na rodoviária da antiga capitania do Grão-Pará.
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